Universidade, desenvolvimento regional e etnografia – Manuel Viegas Guerreiro (1982)
POR ANTÓNIO COVAS
No mês de abril do ano de 1982 a Universidade do Algarve realizou um seminário intitulado O papel da Universidade no processo de regionalização e desenvolvimento regional no qual participou o Prof. Manuel Viegas Guerreiro com a comunicação «Universidade, Desenvolvimento Regional e Etnografia». Seguem-se alguns comentários sobre esse texto.
Em primeiro lugar, o Prof. Manuel Viegas Guerreiro lembra-nos a ideia geral de universidade que considera ser um «conjunto de pessoas, mestres e discípulos, constituídos em grupos organizados ou corporações, mais do que um edifício ou grupo de edifícios em um determinado lugar» e que oferece à comunidade «estudos gerais, universais e comuns.»
Em segundo lugar, o Prof. Manuel Viegas Guerreiro considera a universidade uma «instituição comprometida com o processo de desenvolvimento regional, porém, esse compromisso não deve pôr em causa os fins últimos da instituição e que são: o equilíbrio entre ciência aplicada e ciência fundamental, evitar o excesso de dirigismo, promover a função educativa e moral no sentido de formação humana e, em todos os casos, estimular a participação dos estudantes com a frescura da sua imaginação.»
Em terceiro lugar, e quanto ao processo de regionalização, o Prof. Manuel Viegas Guerreiro é muito crítico e refere-se a ele como «este elixir de longa vida que é a regionalização.» Ou ainda «muito se apregoam as suas excelências, pouco se fala da formação de base de quem há – de tomar em suas mãos a responsabilidade da execução, isto é, os membros das autarquias locais; e tão pouco esclarecidos estão os portugueses sobre o que é a regionalização, que, a cada passo, e em todos os níveis, sobre ela se interrogam.»
Em quarto lugar, e no que à etnografia diz respeito, o prof. Manuel Viegas Guerreiro afirma «em definitivo, sem uma participação ativa e consciente das populações e das suas comunidades não há plano de desenvolvimento regional que resista». E acrescenta «o estudo minucioso das comunidades por via de uma etnografia científica aplicada e não de uma etnografia à moda antiga, folclórica e pitoresca, respeitável e útil, sem dúvida, mas a que falta a qualidade de uma adequada metodologia científica.»
Em quinto lugar, depois de uma breve referência a um trabalho de campo sobre a freguesia de Cachopo, o Prof. Manuel Viegas Guerreiro tece algumas considerações finais, em jeito de aviso, sobre a filosofia e o modelo de desenvolvimento socioeconómico regional, de onde destacamos:
- Não subestimemos os problemas, nunca falta uma especificidade cultural aos grupos humanos, por mais pequenos que eles sejam,
- A tradição é fundamental, a etnografia é a ponte entre o passado, o presente e o futuro,
- Não cuidamos do necessário e vamos atrás do supérfluo,
- Produzir e consumir, eis o teor da vida para onde nos empurram, ambições incontidas, sem cuidar do bem comum e dos direitos alheios.
Notas Finais
E, mesmo a terminar, diz-nos o Prof. Manuel Viegas Guerreiro, «a liberdade é sempre uma liberdade comprometida, mas isso não impede a nossa paz interior, a sadia alegria de viver, a justiça social, a palavra de Deus».
Nesta mesma linha, seja-me permitida uma última reflexão sobre a missão da Universidade, hoje, em 2022.
Devido às grandes transições que irão atravessar esta década, é praticamente impossível às instituições de ensino superior escapar a uma profunda transformação das suas missões, funções, estrutura, processos e procedimentos. Devido à sua especificidade, em especial a rede dos subsistemas de ensino, investigação e desenvolvimento, as instituições de ensino superior estão particularmente vocacionadas para poderem funcionar como instituições-plataforma de excelência. Eis algumas características dessa organização-plataforma:
– Em primeiro lugar, a universidade será cada vez mais uma placa giratória de problemas, projetos e colaboradores que interessam às diferentes comunidades de cidadãos e funcionando em canal aberto com a multidão,
– Em segundo lugar, a universidade é uma organização aberta ao mundo, partilhando o conhecimento e o financiamento com a multidão-plataforma, em múltiplas formas e formatos de crowd sourcing, crowd learning e crowd funding, donde a importância de dedicar uma especial atenção à sua política comunicacional,
– Em terceiro lugar, a “universidade é cada vez mais univercidade”, isto é, a universidade deve fundir-se cada vez mais com a cidade e os seus problemas, sobretudo, numa ótica crescente de smart city.
– Em quarto lugar, a “universidade é cada vez mais pluriversidade”, isto é, não há áreas de trabalho estranhas ou exteriores à universidade-plataforma na exata medida em que a universidade se alimenta desse banco de problemas que é a pluriversidade de situações e oportunidades.
– Em quinto lugar, a organização da universidade-plataforma deverá seguir, em minha opinião, a regra do terço: um terço de formação, presencial e à distância, um terço de problem-solving e um terço de investigação-ação.
Estas serão as balizas para as novas missões da universidade que, para o efeito, deverá encontrar um novo ponto de equilíbrio interno e externo, de acordo com novas áreas funcionais e os interesses das várias comunidades que deve servir.
E, quatro décadas depois, em plena crise de civilização e cultura, em situação crítica quanto ao papel das ciências humanas e sociais na atual conjuntura e novamente preocupados com o desenvolvimento regional, recordamos as palavras avisadas do Prof. Manuel Viegas Guerreiro, “cuidado com o excesso de dirigismo, não esqueçamos a função educativa e moral e a formação humana da universidade, usemos a liberdade em benefício do bem comum e dos direitos alheios”. E quanto ao resto, dizemos nós, confiamos plenamente na Universidade do Algarve e no seu compromisso com o desenvolvimento humano e social.
A comunicação original de Manuel Viegas Guerreiro AQUI.