Nas asas do Mundo
29 Junho 2022
Ainda o sol não nasceu, já o António Marques e o Paulo Narciso lançam as redes.
Não esperam apanhar peixe mas pássaros, a quem devolverão o voo após medições e pesagem.
O André Pinheiro, da associação ambientalista Almargem, é o cicerone da incursão do Grupo de Pequenos Naturalistas – alunos de 1.º ciclo da EB/JI de Querença – pelos meandros da Zona Protegida da Fonte da Benémola.
Pelo caminho, ficam a saber que este espaço verde é um pequeno paraíso para as espécies florísticas e faunísticas que merecem ser preservadas.
Com o silêncio possível que um grupo de 18 crianças vai anunciando e deixando à passagem, são feitas pequenas descobertas:
FUNCHO, bom para fazer chá e acalmar a barriga
TOMILHO de que se pode retirar o perfume, sem estragar as flores roxas
PERPÉTUA DAS AREIAS a lembrar o passo lento dos camaleões e o cheio a caril
ALECRIM a fazer soar, entre outras vozes, a da Filipa Faísca:
O Sto António chegava, que alegria, que folguedo
Só nas fogueiras se falava, depois S. João e S. Pedro
Todo o ar se perfumava com o cheiro do ALECRIM
Todos a fogueira saltavam, em Querença era assim
Os vizinhos se juntavam à volta da maior fogueira
Nas sortes participavam, tudo era uma brincadeira
Nas noites negras como breu, só se viam as clareiras
E as estrelas no céu e a luz baça das fogueiras
Identificam-se colónias abandonadas de abelharucos, com os ninhos embutidos nas paredes finas do barrocal, longe do alcance das raposas.
Um quilómetro de caminhada depois, conhecemos o Sr. António, responsável pela anilhagem científica de aves na Fonte da Benémola há mais de 20 anos. Provavelmente, das pessoas que há mais tempo regista no Algarve, de forma continuada, as espécies que ali residem e as que se encontram de passagem neste intenso corredor de migração. Toda a informação recolhida é integrada na base de dados do ICNF – Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas.
O voluntariado do Sr. António permite saber, por exemplo, que uma toutinegra-de-cabeça-preta pode viver, no mínimo, 8 anos. Como? Ao recapturar agora a pequena ave, anilhada em 2014.
Ou que à Benémola chegam felosas-listadas da Sibéria. Ou ainda que a felosa- de-bigode vem ganhar peso nesta área, por cerca de 2-3 semanas, para regressar a África, sobrevoando de uma só tirada o deserto do Saara. Este local é também o de eleição da felosa-ibérica para nidificar. Do tamanho e peso de um pacotinho de açúcar, trazem bilhete de ida e volta de países africanos.
Com direito a voltar a voar depois da consulta de rotina, as pequenas aves são libertadas pelos/as alunos/as de Querença com toda a alegria e emoção que o momento fermenta.
Para o final, fica o recado da necessidade de todos entendermos a importância das aves no controlo de pragas e a necessidade da sua protecção. No Algarve, são capturadas 100 mil aves todos os anos.
Tomamos nota. Do número e de que a anilhagem científica na Benémola costuma decorrer todos os sábados de manhã. Após contacto com a Fonte Benémola – Anilhagem Científica de Aves é possível presenciar a sessão. Basta levantar cedo!
Despedimo-nos do António e do Paulo.
No regresso à escola, que o almoço já começa a arrefecer na cantina, ainda há tempo para apreciar a subtileza de mais um par de asas. Desta vez de uma borboleta-zebra, a maior borboleta diurna da Europa.
Agradecemos ao André que colabora no Centro Ambiental de Loulé, sinergia criada há quase três décadas entre a associação Almargem e a Câmara Municipal de Loulé.
Os Pequenos Naturalistas de Querença fecham com chave de ouro as sessões lectivas, desenhadas pela Maria Mackaaij, técnica bibliotecária da CML
Para o ano há mais páginas e asas para abrir na escola e na Fundação Manuel Viegas Guerreiro. Por agora, são eles que voam em direcção às férias, na companhia dos avós, os primos, pais, entre um mergulho e, quem sabe, um passeio à Benémola para contar à família as aventuras de hoje.