“A cultura é só uma, tudo o que aprendemos do nascer ao morrer, da nossa invenção ou alheia, sentados nos bancos da escola ou da vida.”
Manuel Viegas Guerreiro, 1978
Nascido em Querença, concelho de Loulé no seio de uma família camponesa, em 1 de Novembro de 1912. Cursou Filologia Clássica na Faculdade de Letras de Lisboa. Quando se formou deu início ao seu percurso profissional como professor efetivo dos liceus (1940) e do Colégio Militar (1941-44).Doutorou-se em Etnologia na mesma faculdade em 1969. Por muitas veredas, montes e vales, de aquém e além-mar, este foi o caminho que Manuel Viegas Guerreiro trilhou incansavelmente ao longo de toda a sua vida.
Na sua simplicidade singular frisava sempre o facto de se limitar apenas a transpor para o papel, pela escrita, os saberes, os valores, as crenças, os rituais, os costumes que o “outro” (esses povos de tantas terras…) lhe havia ditado. A preciosa herança que nos legou – a de ter contribuído para uma maior consciencialização coletiva do valor da cultura popular e, assim, das raízes da nossa própria identidade –, patente na sua conceção de vida e nos seus escritos e itinerários, foi, porém, bem mais significativa e profunda…
A dedicação, respeito, curiosidade e sensibilidade por si continuamente demonstrados em relação às diferentes manifestações da(s) cultura(s) popular(es) (sobretudo a portuguesa, africana, brasileira…) no seu dia-a-dia como homem e professor e na sua produção científica constituem um verdadeiro exemplo de vida.
A ideia de relatividade cultural, de uma necessidade efetiva de aproximação e diálogo entre as realidades popular e erudita, do papel fundamental que o professor deve ter na (in)formação e sensibilização do público em geral para a relevância das questões ligadas à cultura popular (e não só) foram, de facto, desejos fundamentais de que Manuel Viegas Guerreiro nunca se separou.
Após a morte do Mestre Leite de Vasconcelos, Viegas Guerreiro tornar-se-ia, um dos principais impulsionadores do desenvolvimento e divulgação da Antropologia Cultural e da Etnografia enquanto ciências modernas em Portugal, sobretudo na área da literatura popular oral, quer através do seu trabalho enquanto professor liceal e sobretudo universitário, quer dos seus projetos de investigação de campo e respetivos estudos.
Mas nem só dos ecos ancestrais e ocultos da literatura popular ou das descobertas e fascínios etnográficos e antropológicos se fez este admirável “mestre da sabedoria do mundo”; também as preocupações pedagógico-didáticas, derivadas de uma formação filológica de base e da sua missão docente, e um manifesto interesse por aspetos particulares da História, Literatura e Geografia perspetivados antropologicamente foram fios condutores do itinerário deste investigador do povo para o povo.
Em 1997, em depoimento ao Jornal de Letras, o historiador e amigo José Mattoso recordava-o assim: “Ninguém podia resistir ao seu olhar simples e bom. Não se sabia de onde ele lhe vinha: se da misteriosa conjugação de heranças ancestrais, se de uma infância excecionalmente feliz, se de uma educação cheia de humanidade e de confiança nos outros, se de uma formação de antropólogo disposto a ver o lado bom do homem e a não se assustar com as diferenças do outro”.
Em suma, desenvolveu obras importantes junto das comunidades dos Bochimanes de Angola e dos Macondes de Moçambique. Foi Professor Catedrático da Faculdade de Letras de Lisboa e fundador dos Estudos Gerais Livres. Uma figura ímpar da Cultura Portuguesa, do século passado, dedicou toda a sua vida ao estudo da Antropologia Portuguesa, tendo uma carreira académica brilhante. Manuel Viegas Guerreiro manteve-se sempre fiel à sua terra e ao seu querido Algarve, falecendo a 1 de Maio de 1997, com 84 anos.