A cultura é só uma, tudo o que aprendemos do nascer ao morrer, da nossa invenção ou alheia, sentados nos bancos da escola ou da vida.
MANUEL VIEGAS GUERREIRO
Manuel Viegas Guerreiro (1912-1997), etnólogo, antropólogo e pedagogo do séc. XX, estudou como poucos a cultura popular portuguesa.
Nascido a 1 de Novembro de 1912 em Querença, concelho de Loulé, no seio de uma família camponesa, cursou Filologia Clássica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL). Iniciou o seu percurso profissional como professor efetivo dos liceus (1940) e do Colégio Militar (1941-44). Doutorou-se em Etnologia na FLUL em 1969 com a obra !Khu de Angola. Foi professor catedrático na Faculdade de Letras de Lisboa.
Discípulo de José Leite de Vasconcellos, Manuel Viegas Guerreiro desenvolveu importante investigação junto de tribos em África e em comunidades rurais portuguesas. Repetia que apenas escrevia o que os povos lhe ditavam: os saberes, os valores, as crenças, os rituais, os costumes. Coligiu-os e co-organizou a monumental Etnografia Portuguesa.
Após a morte do Mestre Leite de Vasconcelos, Viegas Guerreiro tornar-se-ia um dos principais impulsionadores do desenvolvimento e divulgação da Antropologia Cultural e da Etnografia enquanto ciências modernas em Portugal, sobretudo na área da literatura popular oral. Estudou e publicou a par com Jorge Dias, Orlando Ribeiro, João David Pinto Correia, Margot Dias, Aliete Galhoz e tantos outros vultos da cultura nacional.
A dedicação, o respeito, a curiosidade, a sensibilidade e a metodologia demonstrados na relação com as diferentes manifestações culturais, sobretudo portuguesas, africanas e brasileiras, enformaram o homem, professor e investigador.
A ideia de relatividade cultural, de uma necessidade efetiva de aproximação e diálogo entre as realidades popular e erudita, do papel fundamental que o professor deve ter na (in)formação e sensibilização do público em geral para a relevância das questões ligadas à cultura popular (e não só) foram, de facto, desejos fundamentais de que Manuel Viegas Guerreiro nunca se separou.
Após a reforma, fundou os Estudos Gerais Livres – ensino não formal gratuito -, juntamente com o filósofo e amigo Agostinho da Silva. Foi professor convidado em universidades no Brasil e Cabo Verde.
Empenhado projecto dos Estudos Gerais Livres como vector de uma cultura viva e dialogante aberta a todos, despojada de elitismos e mercantilizações, firme e confiante na sua vocação emancipadora.
José Barata-Moura, Faculdade de Letras,
Universidade de Lisboa,
in Jornal de Letras, Artes e Ideias, 1997
Apesar de ter percorrido terras daqui e de além-mar, o Professor manteve-se sempre fiel à sua terra e ao seu querido Algarve, falecendo a 1 de Maio de 1997, com 84 anos, devido a um acidente vascular.
Nesse ano, a título póstumo, o Mestre recebeu a Grã-Cruz da Ordem do Infante, «acto devido por Portugal ao Professor que honrou a Ciência e a Cultura Portuguesas». A cerimónia decorreu a 15 de Maio, na Aula Magna da Reitoria de Lisboa, integrada no Colóquio «Contadores de Sonhos», promovido pela Livraria Civilização com o apoio do Centro de Tradições Populares Portuguesas Prof. Manuel Viegas Guerreiro.
Em sua homenagem existem três ruas com o nome do professor e etnólogo. A Câmara Municipal de Lisboa atribuiu-o postumamente a uma rua situada na freguesia do Lumiar. Ainda em vida, a Câmara Municipal de Loulé nomeou a rua que desce até à Ermida de Nossa Senhora do Pé da Cruz, na sua aldeia natal, Querença. Em 2023 o seu nome foi também atribuído a uma rua na zona da Fonte Santa, Almancil.
O escritório pessoal de Paço de Arcos, em Lisboa, encontra-se reproduzido em Querença, onde está alojada a sua biblioteca particular, manuscritos e obra publicada. A maioria, monografias e artigos científicos. Materiais que estão integrados na Biblioteca Museu Manuel Viegas Guerreiro, que contempla um acervo arquivístico de elevado valor patrimonial.
Celebrando o seu legado, a Fundação que leva o seu nome, iniciou no mês do seu aniversário, em 2020, a iniciativa Viagens pela obra de Manuel Viegas Guerreiro. Trata-se da publicação, neste sítio, de uma série de artigos sobre a sua obra escrita, assinados por diversos investigadores e personalidades ligadas à Cultura. Os ensaios são também publicados na newsletter da Fundação, em suporte digital e papel, distribuída gratuitamente junto de bibliotecas, arquivos e coleccionadores.
Em Manuel Viegas Guerreiro: Mestre do Mundo, recorde-se as várias linhas de investigação e o extraordinário contributo de Manuel Viegas Guerreiro para a relativização cultural e para o conhecimento do outro. O documentário, realizado pela Fundação em 2017, assinalou os 20 anos do seu falecimento.
Em Estudos Gerais Livres: um título para a História, a concretização do sonho do Mestre em transferir conhecimento sem troca de moeda. Este documentário, também realizado pela Fundação, em 2019, marcou os 30 anos da criação da associação Estudos Gerais Livres.
Leia também AQUI a entrevista de Manuel Viegas Guerreiro à revista Colibri, publicada em Janeiro de 1997.