As voltas do crochet… e da serpente
«Para definir a identidade cultural de uma região, havemos de nos socorrer do discurso oral da sua gente, misturando-nos com ela, ouvindo-a na rua e em casa, participando se pudermos, em seu labor quotidiano. O trabalho de campo tem de ser contínuo, duradouro, abranger todos os períodos da vida rural, que para pouco serve num relance de olhos de feição etnológica, em geral precedido de falso juízo teórico.»
Manuel Viegas Guerreiro
Agarrámos nas palavras e nos valores do patrono, o etnólogo Manuel Viegas Guerreiro para tecer mais uma iniciativa no seio da comunidade de Querença, nas suas várias faixas etárias, nas suas diversas origens: Tecendo estórias da aldeia, na aldeia. O projecto é apoiado pelo programa Ideias a Atos, do Teatro Nacional D. Maria II e da Fundação Calouste Gulbenkian, numa parceria com a Câmara Municipal de Loulé. Ideias a Atos começa, em Maio, como um concurso de ideias e desenvolve-se através de sessões de mentoria, promovendo práticas artísticas e culturais participativas.
No caso de Querença, a criação de uma manta comunitária simboliza – assim se pretende – um possível olhar sobre a identidade cultural deste território. As linhas diversas que se irão cruzar unem as mãos, os saberes e as emoções das pessoas da aldeia. O azul do mar e o seu espelho no céu, o ocre e o grés da terra, o verde da ecologia, o amarelo, silêncio de cobre, e o branco da cal e da pacificação. É desta paleta que nasce o fio condutor do projecto, acompanhado pelo som das conversas partilhadas, pelo eco do convívio, da conexão entre gerações e nacionalidades que animam o interior da região.
Com um dos pontos altos alinhados para Setembro, em pleno Festival Literário Internacional de Querença, o processo só termina em Janeiro de 2026. O grupo de trabalho informal acaba de ser criado, aberto e extensível. Composto por 11 mulheres e um homem, reuniu-se em torno de lãs, agulhas e objectivos. Partilhou-se experiências de projectos colaborativos, de artes e ofícios, de saberes e vontades. Alinhavaram-se as linhas de acção, de formação, de próximos encontros e de como passar a palavra – e a manta – de casa em casa com visitas à Fundação.



No final do encontro, já com o pé na rua, o calor que se faz sentir enlaça-nos.
Não se faz esperar o dizer: « Já está calor. Já se enrola a serpente!»
Lúcia Revez, uma das participantes e embaixadora dos saberes da aldeia explica: «Diz-se muito, quando vem o calor, enrola-se a serpente. Ou pergunta-se a alguém que se encontra: “Então? Já enrola a serpente?”»
Tonalidades e sonoridades. Provérbios e dizeres. Alguns dos fios com que se irá tecer esta estória. Esta manta.